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Pokémon Journeys | Ep#83 | Review

Pokémon Journeys - Episódio 83: A Cleffa que se tornou uma estrela


 Tenho a sensação que ter assistido ao episódio 83 de Pokémon Journeys exatamente no dia das crianças fez essa pequena história se tornar muito especial. Já faz algum tempo que eu tenho o sentimento de que muitas pessoas que não cresceram assistindo Pokémon talvez não deem uma chance a obra por ser um anime infantil. Afinal é um fato que a franquia exerce um poder de nostalgia tão grande que fez até mesmo adultos formados saírem às ruas para jogarem um game mobile. Foi esse fenômeno que vimos durante o ápice de sucesso de Pokémon Go. Então pra quem não sente esse saudosismo, talvez seja difícil imaginar que uma obra infantil possa trazer coisas incríveis que até mesmo os "animes de adulto" raramente trazem. Pois bem, continue lendo, já que esse episódio de Pokémon abriu margens para que eu possa abordar sobre animes infantis, luto, responsabilidade, Mima Masafuni e, acredite ou não, sobre livre arbítrio. Vamos começar!



 Já no início do episódio fica claro que esse não será um episódio comum. O anime começa com uma cena incomum, até abstrata, eu diria. Uma criança cujo o nome ainda não sabemos, aparece olhando para a vastidão do céu. A trilha sonora é uma música melancólica. Então a câmera se aproxima do rosto da garota, e ela murmura algumas palavras. Um Unown ouve essa "prece" silenciosa e então se ergue aos céus e faz gerar uma explosão de luz que transforma o dia em noite, literalmente.

 Com essa cena estranha, já quero começar destacando um dos pontos fortes desse episódio, mas que também é uma qualidade da temporada e da franquia inteira: a trilha sonora de Pokémon. Deixe- me dizer uma coisa; se você assistiu Pokémon dublado na sua infância, saiba que boa parte da incrível trilha sonora da franquia foi completamente deturpada. Eu entendo que ter abertura cantadas em português é importante, ainda mais em animes que passaram em horários para crianças. Mas acontece que as músicas de Pokémon, as openings e endings, elas são tão incríveis que é realmente uma pena que muitas dessas músicas não saíram na versão brasileira. As pessoas que fazem os arranjos e detalhes mais técnicos das músicas, já mudaram algumas vezes nesses 19 anos de Pokémon nos animes, no entanto, existe uma pessoa que esteve presente desde o início. E essa pessoa é aquele que possivelmente é o sound director mais proeminente de toda essa indústria, o brilhante Masafumi Mima. Devido a toda vasta experiência do Masafumi e por estar presente em Pokémon desde o início, ele é alguém com um entendimento ímpar sobre como orquestrar a trilha sonora de Pokémon. Essa primeira música que toca já causa o sentimento de que algo perturbador está acontecendo, e ainda assim, é uma belíssima música de BGM. A composição de cena em conjunto com a música dão um sentimento único para esse começo de episódio. Um sentimento pesado, triste.

 Depois desse prólogo estranho, e antes da abertura, temos uma pequena cena pra apresentar o conflito inicial do episódio. Uma estrutura narrativa razoavelmente comum em Pokémon. Os assistentes do professor Sakuragi contam ao Ash e ao Go sobre um estranho acontecimento em uma parte da Região de Sinnoh. Em uma cidade, o céu repentinamente escureceu e nunca mais amanheceu. Sem qualquer enrolação, Ash e Go se prontificam para irem descobrir o que está acontecendo. No mundo Pokémon é assim, crianças resolvem esse tipo de coisa. É o suspenção de descrença que realmente é necessário em Pokémon.

 Esse episódio tem uma aura um tanto incomum pra uma obra tão colorida quanto Pokémon. Toda a trama do episódio se passa durante o dia, mas está escuro e claramente é noite. Então tem pessoas indo trabalhar, crianças voltando da escola e vizinhas se cumprimentando com "bom dia". Mas mesmo essas pessoas não passam a sensação de que estão vivendo de dia. Todas parecem um pouco triste. A vida continua mesmo que a noite nunca vire dia, mas isso aparentemente gera sentimentos ruins. A cidade já está a uma semana assim. Isso traz problemas como as flores murcharem pela falta do sol. 

 E então eles finalmente conhecem a criança do início do episódio. O nome dela é Kirara, uma menina muita educada e gentil. Kirara conta aos garotos que ela gosta de procurar a estrela de Cleffa e diz que sua Cleffa se tornou uma estrela. É acreditado que a Cleffa é a reencarnação das estrelas, por isso ela fez a associação. Mas antes disso, a Kirara tinha feito uma expressão triste quando o Pikachu do Ash fez ela relembrar de uma Cleffa.

 O tema do episódio já estava bem evidente. Pra deixar ainda mais claro, a mãe da Kirara fala que a filha está sempre olhando para as estrelas por causa de uma Cleffa que a pequena criança tinha quando criança. E sim, o tema de hoje é morte. Pokémon sempre foi um pouco complacente pra abordar esse tema. Ao ponto de por anos ter existido a discussão se pokémons morrem ou não. Apenas em 2017, no anime de Pokémon Sun & Moon, a morte de um pokémon foi mostrada pela primeira vez. Esse é um dos episódios mais lembrados e bem avaliados de Pokémon. A obra mostrou de uma forma muito tocante a morte de uma dessas criaturinhas. Dessa vez novamente, Pokémon está mostrando uma morte. E ainda envolvendo os sentimentos de perda por parte de uma criança. O real principal motivo da Kirara associar as estrelas com a Cleffa, é por causa de uma história que a mãe contou para que ela se sentisse melhor. E então é por parte da mãe que vem a primeira dica do que pode estar acontecendo com a cidade. Ela narra que a filha se encontrou com um pokémon estranho antes do dia virar uma noite perene. Os garotos ainda não sabem, mas obviamente ela está se referindo à primeira cena do episódio.

 Pouco tempo depois, Ash e Go vão pesquisar informações, quando acabam encontrando com a ilustríssima Cynthia (ela se chama Shirona no original). Uma das mais fortes e mais amada treinadoras pokémon da franquia. Ela está fazendo uma pesquisa pokémon. A Cynthia além de muito forte, é uma pesquisadora muito inteligente. Ela acaba dando várias informações pra entender o que acontece na cidade. A causa da noite eterna é um dos pokémons mais misteriosos que existem, Unown. E aqui eu tenho que ressaltar outra qualidade de Pokémon que foi plenamente mostrada nesse episódio. Me refiro ao misticismo da obra. Nesse episódio existem três fatores que estão intimamente ligados a esse elemento de Pokémon. O primeiro obviamente é o Unown. Esse é um raro pokémon que tem mais de uma forma diferente mesmo sem ter evolução. Desde sua primeira aparição até hoje, ainda se sabe muito pouco sobre essa criaturinha tão peculiar. O que se sabe é que elas podem fazer coisas impossíveis acontecerem. Outro elemento místico, porém fica mais como uma lenda, é a história da Cleffa ser a encarnação das estrelas. E antes dessa cena da Cynthia, já havia aparecido um Murkrow que estava sofrendo por causa do escurecimento da cidade. É dito que os Murkrow trazem má sorte se forem vistos à noite. Isso faz muitas pessoas abominarem a existência dos Murkrow.

 Quando eles encontram a Kirara novamente, todo o mistério é enfim revelado. Aquele cena do começo do episódio, o que ela estava murmurando era que queria poder observar as estrelas pra sempre. Então alguns Unown que estavam ali ouviram as palavras carregadas dos sentimentos da menina pela Cleffa, e então realizaram seu desejo de observar as estrelas pra sempre.

 Mesmo depois de saber que ela precisa  desejar que a cidade volte ao normal, Kirara se recusa a abrir mão da noite. Como se isso significasse que estão tirando novamente a Cleffa da vida dela. Mais uma vez os Unown ouvem suas palavras e começam a proteger os desejos da menina.

 Os Unown criam a ilusão de uma cópia perfeita do Pikachu. Ash usa seu próprio Pikachu para tentar derrotar a cópia, mas seus planos são detidos com a imitação total dos movimentos do Pikachu. Go tenta interferir com seu Cinderace, mas também aparece uma ilusão perfeita dele. É quando Cynthia intervém e usa uma estratégia brilhante pra vencer a recém criada cópia do Garchomp dela. E assim ela derrota todas as cópias e até mesmo os Unonw. E novamente, outra qualidade desse episódio é ressaltada. As pessoas assistem o Journeys por motivos diferentes. Algumas assistem por nostalgia, outras assistem pelo enredo, algumas outras por causa das batalhas pokémon. Mas não importa que tipo de fã você seja, esse episódio certamente trouxe o que você procura. Se é pela nostalgia, aqui está ninguém menos que a lendária treinadora Cynthia. Se é pelas batalhas, então que tal essa com um dos pokémons individualmente mais fortes, o Garchomp da Cynthia? Se é pelo roteiro, eis um episódio mostrando como uma criança não consegue lidar com a perda.

 Kirara se arrepende por ter sido egoísta. Mas a Cynthia chega à conclusão de que ela queria um pouco mais de tempo pra se despedir da Cleffa. Então os Unown ouvem os desejos internos da garota e fazem ela se lembrar de quando ainda era um bebê e a Cleffa já estava ao seu lado. Ela crescendo, virando uma mocinha, e a Cleffa ainda estando ao seu lado. E enfim Kirara tem a chance de deixar a Cleffa ir com o sentimento de que tudo ficará bem. A Kirara deve ter por volta de 7 anos, sendo que a Cleffa ficou com ela pelo menos durante uns 80% da vida dela. É simplesmente normal que uma criança tão pequena não tenha superado essa perda. Quando os sentimentos vieram à tona, ela foi egoísta, chorou pela saudade, mas em momento algum ela foi realmente má. No fim ele entendeu que mesmo de dia, as estrelas... não, a Cleffa está olhando por ela. A Cynthia disse isso, e eu acredito na Cynthia. Talvez não seja verdade, mas é uma forma tocante de lidar com uma criança.



 Quando vou escrever sobre Pokémon, sempre mantenho firme o pensamento de que essa é uma obra infantil. Crianças do mundo todo assistem esse anime. Eu gosto muito de animes infantis, e um questionamento que sempre passou pela minha mente foi sobre a responsabilidade desse tipo de obra. E existe alguma responsabilidade? Quero dizer, quem deve educar os filhos são os pais, certo? Bem, sim, mas as coisas que as crianças assistem ao longo de suas infâncias ajudam a moldar parte do seu caráter. Vou dizer algo que talvez soe um pouco polêmico, mas eu acho que muita gente tem a ideia errada sobre livre arbítrio. Suponhamos que você que está lendo esse texto seja um advogado. Talvez você ache que você escolheu ser advogado por ser algo que você sempre quis. Certamente isso não está errado, mas não é tudo. A ideia, o desejo, o que se chama de vocação, não é algo que surgiu de repente. Até mesmo coisas que você viu na sua mais tenra infância e sequer consegue lembrar, mesmo essas coisas influenciaram nas partes da vida que te levaram a querer ser advogado nessa nossa suposição. Acredito que exista livre arbítrio, mas o mundo está constantemente influenciando nossas escolhas, quer seja do nosso agrado ou não. Então, obras infantis têm a responsabilidade de passar as coisas com uma delicadeza que talvez uma criança pequena possa nem entender, mas que possivelmente ficará no seu subconsciente. Então entra mais uma questão: como uma obra infantil poderia falar sobre perdas? Bem, pra começar tenho certeza que não existe fórmulas certas ao se criar uma criança. Uma pessoa que tem dois filhos, mesmo que ela tenha dado a exata mesma quantidade de amor para ambas, essas crianças não serão iguais. Uma das duas certamente será mais benevolente que a outra, ou no mínimo se destacará em outras qualidades. Cada uma será diferente, não importa como. Mas apesar de não existir métodos certos, existem métodos errados. E uma obra como Pokémon está sendo transmitida para uma quantidade de crianças que está muito além do alcance das pessoas que produzem a obra. O tema da perda certamente virá em algum momento pra qualquer pessoa durante a vida. O que Pokémon fez foi abordar o tema de uma forma delicada, mas ao mesmo tempo realista, de uma maneira que alcançará às pessoas de uma forma diferente, de acordo com sua faixa etária. Crianças muito pequenas provavelmente nem entenderão que a Cleffa morreu, por causa da alegoria das estrelas. Outras crianças, um pouco mais velhas podem ter entendido mais coisas, mas nada foi passado de uma maneira que possa chocar. E ainda foi bonito a ponto de tocar o coração dos adultos. Lembrando que Pokémon é uma obra com faixa indicativa PG - children, o que significa que fica a cargo dos parentes em que idade as crianças podem começar a assistir.

 Antes de encerrar, vale a pena citar que a produção do episódio foi muito boa. Pokémon Journeys não é um anime de temporada, então não compartilha do mesmo orçamento desse tipo de anime. Mas a produção consegue superar isso perfeitamente. Seja pela direção criativa, pela direção de som do Masafumi Mima, ou por todos os outros profissionais que trabalham no anime. E um destaque especial para a seiyuu que cedeu a voz para a Kirara, a Shino Shimoji. Tenho a impressão que ela estava chorando de verdade. Se não estava, é mais impressionante ainda.



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Texto escrito por: Animelancolia

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