Looking For Anything Specific?

" />

Utena e um Movimento Artístico | Artigo



1. Introdução:

Referencias e elementos artísticos estão presentes em diversas animações, incluindo nos animes. Estes componentes podem estar intrinsicamente ligados a estética, sendo o anime Gankutsuou (2004) um exemplo, utilizando o Impressionismo (movimento artístico do século XIX) em sua construção. Outras obras não adotam estilos artísticos em seu visual, mas não significa que traços e aspectos de arte (no sentido artes plásticas) estejam ausentes, e por vezes, são mostrados indiretamente ou como alusão, por exemplo em Mahou Shoujo Madoka Magica (2011).

       
Homura Akemi sobre uma representação de Guernica (Pablo Picasso, 1937). Madoka Magica, ep.10.

Em Shoujo Kakumei Utena (1997) aspectos do movimento Art Nouveau são reconhecíveis. O estilo artístico é facilmente observado na abertura do anime Elfen Lied (2002), principalmente por referenciar as pinturas de Gustav Klimt.

O anime de Utena é marcado por elementos simbólicos e subliminares que permeiam o enredo, além da obra permitir discussões sobre identidade de gênero, o papel feminino e temas relacionados. No entanto, pouco (ou nada) é comento acerca da Art Nouveau em Shoujo Kakumei Utena, ou melhor, dos movimentos artísticos dentro das obras nipônicas, e por mais que eu não seja entusiasta dos trabalhos do Kunihiko Ikuhara, não descarto a ideia de conceber um texto que considero interessante, o que se aplica neste caso.

O presente artigo trará algumas informações e características sobre Art Nouveau, como o estilo está presente na adaptação de Utena, além de discutir a possível correlação entre o anime e o movimento artístico.


2. Um pouco sobre Shoujo Kakumei Utena


Tenjou Utena e Himemiya Anthy (de cima para baixo).

Revolutionary Girl Utena, ou Shoujo Kakumei Utena, no original, é a adaptação animada do mangá de mesmo nome, que foi produzida pela J.C. Staff. Em 1999 ganhou um longa-metragem intitulado Shoujo Kakumei Utena Aduresensu Mokushiroku (ou apenas Adolescence of Utena, para facilitar). O filme é uma versão alternativa dos eventos do anime.

A obra narra a chegada de Tenjou Utena na Academia Ootori, lugar que pende entre o real e o fantasioso. Em pouco tempo ela conhece Himemiya Anthy, criando uma cascata de eventos que irão pôr Utena na mira do conselho estudantil e conduzi-la ao mundo do duelos. Mesmo que parece simples, principalmente em seu início, o anime vai se tornando cada vez mais psicodélico e cabalístico.

Ainda que a adaptação esteja atrelada, quase que unicamente, ao diretor Ikuhara, em verdade, o anime foi concebido pelo grupo Be-Papas, tendo como integrantes o próprio Kunihiko Ikuhara, Chiho Saito, Yoji Enokido, Shinya Hasegawa e Yuchiro Oguro. Ikuhara fica a frente do projeto, atuando na direção, roteiro e entre outras atribuições. O diretor já era conhecido por seu envolvimento em Sailor Moon, além das possíveis influências de The Rose of Versailles, obra de Riyoko Ikeda (afirmação que o Ikuhara contesta) e do artista Terayama Shuji.

Já em relação a Saito, a mesma não teve muita participação na criação do anime, sendo mais ativa na produção do mangá. A mangaká enfrentou algumas dificuldades por parte dos editores em relação aos temas LGBTs.

A ideia de realizar o filme veio após o fim do anime, já que possivelmente Ikuhara queria seguir por um viés mais explícito sobre os temas abordados, indo pelo preceito de “fazer o que eu não consegui na série de TV”.


3. Um pouco sobre Art Nouveau

           
Zodíaco por Alfons Maria Mucha (1897). 

Art Nouveau, ou "Arte Nova", foi uma corrente artística que surgiu na Europa no fim do século XIX. O estilo apareceu em um período dominado por outros movimentos, como a Arte Acadêmica e Neoclássica, que repetiam padrões e conceitos antigos.

Teve como principais representantes, Alfons Maria Mucha e Gustav Klimt, no campo das artes plásticas. No ramo da arquitetura se destacam Victor Horta e Antoni Gaudí.

Se caracteriza por apresentar alguns aspectos como, utilização de curvas e ondulações, presença de elementos florais e da natureza, forte presença da figura feminina e a preocupação com a estética. Embora que estas particularidades sejam bem marcadas no movimento, o Art Nouveau apresentou ecletismo no seu estilo.

Apesar de sua brevidade (1880-1920), a corrente artística foi abrangente, aparecendo nas artes plásticas, design de interiores, arquitetura, mobília e joalheria. O Art Nouveau não ficou apenas na Europa, conseguindo espaço nas Américas, principalmente com Louis Comfort Tiffany. Influenciou o Flower Power e outros estilos relacionados ao movimento Hippie.


4. Art Nouveau em Shoujo Kakumei Utena

Bem, agora chegamos ao ponto principal, onde podemos encontrar elementos da “Arte Nova” no anime Utena? Inseridos no cenário, principalmente na arquitetura da Academia Ootori.

Entrada para a arena de duelos, notem as rosas na lateral. Shoujo Kakumei Utena, ep. 1.


Frame do cabelo de Utena. Shoujo Kakumei Utena, ep. 1.


A recorrente pintura do paredão, sempre mostrada durante o diálogo das sombras. Shoujo Kakumei Utena, ep. 12.


Características inerentes ao movimento, tias como, o excesso de curvas e figuras florais, são facilmente reconhecidas. Os elementos possuem enfoque, não estando escondidos ou ocultos no ambiente.

É notável a semelhança entre os componentes do anime e o estilo de alguns artistas. Quando pareamos imagens de Shoujo Kamumei com os trabalhos do Art Nouveau, existe significativo indício da utilização de artesões como referência, podendo citar Victor Horta, Antoni Gaudí e Charles Rennie Mackintosh.                                                                   

A flor desenhada no centro da arena. Provavelmente inspirada na Rosa de Mackintosh (esquema acima), replicada por vários designers. Shoujo Kakumei Utena, ep. 13.

                               
Área interna da Academia Ootori (acima). Casa Batlló em Barcelona, arquitetada por Gaudí (abaixo). Adolescence of Utena.

                                                                             
Cúpula do jardim das rosas (esquerda). Cúpula da Casa Van Eetvelde, por Victor Horta (direita). Shoujo Kakumei Utena, ep.5.


Apesar dos elementos estarem presentes de forma visual e com finalidade decorativa, seria possível encontrar conexão entre os fundamentos e significados da corrente artística com o anime?

Observemos a Academia Ootori, com suas regras e padrões que devem ser seguidos, prezando pelo tradicionalismo e formalidade, remetendo os moldes europeus do século XVIII. Quando Tenjou Utena entra em cena, as normas começam a ser desafiadas e a uniformidade desestabilizada.

Utena não se comporta como uma garota, ou melhor, não se porta como uma dama deve agir, se veste diferente, sempre está sendo advertida pelos professores devido a sua personalidade, ora, o Art Nouveau surgiu em resposta aos estilos tradicionais e rigor formal, se opondo a estes elementos por apresentar originalidade e caráter vanguardista, se desvinculando do Romantismo (apesar de manter algumas características). Similarmente, Tenjou Utena é desassociada do arquétipo da garota romântica, que está no aguardo do príncipe.

O foco na figura feminina é outra constante da corrente artística, principalmente nas pinturas de Alfons Maria Mucha. O conceito de idealização da mulher impera, pois, ela é jovem, voluptuosa, encantadora e bela por natureza, mas nunca retratada de maneira obscena. Ela completa o ciclo da busca pela beleza incessante.

Tanto Utena quanto Anthy são as figuras principais da obra, e mesmo que dividam o palco com personagens masculinos, são elas que fazem a “roda girar”. As garotas são comumente retratadas como, esbeltas, graciosas, elegantes e belas.                                                                         

Juri Arisugawa, aluna modelo da Academia Ootori. Talvez o retrato mais próximo da mulher idealizada, a mesma parece posar para uma pintura. Shoujo Kakumei Utena, ep. 7.



4.1. Não apenas em Utena

No ano de 2011, Mawaru no Penguindrum, outro trabalho envolvendo o diretor Kunihiko Ikuhara, foi lançado. Esse já difere significativamente de Utena, apesar dos elementos simbólicos prevalecerem.

O ponto em questão é a referência ao quadro O Beijo, de Gustav Klimt. Em verdade, a pintura ganha sua própria versão no anime, não sendo meramente uma cópia da original.                                                            

O Beijo, por Gustav Klimt (direita). Ringo Oginome e a versão da pintura, ao fundo. Mawaru Penguindrum, ep. 5. 

Pintado entre 1907 e 1908, o quadro esboça a intimidade de um casal, apesar de diversas interpretações que a tela ganhou. No Art Nouveau, o simbolismo é outro aspecto integrador, e Klimt é famoso por aplicá-lo em seus quadros.

Em Mawaru, a pintura, possivelmente, reflete o estado emocional da personagem Ringo Oginome, que deseja desesperadamente ter o primeiro beijo do homem que ela ama.


5. Considerações finais

O anime da garota revolucionário está lotado de referências artísticas perdidas pelo cenário, sendo mencionado apenas o Art Noveau por ser facilmente reconhecível. Torna-se difícil apontar se é realmente o Ikuhara ou algum outro membro do Be-Papas que possui algum interesse na corrente artística. Ainda que exista forte indício de ser um elemento implementado pelo próprio diretor, o mesmo nunca comentou a utilização das artes plásticas como inspiração em seus trabalhos, tampouco se há ligação entre Utena e algum movimento, sendo possível apenas teorizar.


Kanch0me


Kanch0me (Arthur Felipe Valença) é formado pela Federal Rural de Pernambuco em Biologia, além de técnico em informática. Atualmente é estudante de Licenciatura. Entusiasta da indústria cinematográfica e amante de animesmangásHQs e videogames.

Cargo: Escritor

Redes sociais:          

Postar um comentário

0 Comentários