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Kami-sama ga Machigaeru - Primeiras Impressões


  Mais de 2 anos depois de finalizar sua série de grande sucesso, a autora Nio Nakatani iniciava seu mais novo mangá. O nome da autora sempre foi cercado de grandes expectativas. A Nio pôde publicar na Dengeki Daioh após seu one-shot Sayonara Oruta ter vencido o 21° Dengeki Comics Grand Prix, em 2014. O seu trabalho de estreia, Yagate Kimi ni Naru, foi um mangá de enorme repercussão, ficando marcado como uma figura monumental dentro do gênero yuri, segundo o site natalie.mu. Desde 2017, o site Yurinavi realiza uma pesquisa para saber qual o mangá yuri mais querido da atualidade. YagaKimi liderou essas pesquisas em todos os 4 primeiros anos, incluindo o ano de 2020, em que a obra já tinha sido finalizado desde o ano anterior. Além do sucesso entre o público fã de yuri, a obra também conseguiu alcançar todo tipo de público. Em sites que realizam essas pesquisas, como o TAAF e NicoNico, tanto o anime quanto o mangá ranquearam entre os primeiros colocados por diversas vezes. O anime ganhou o prêmio do juri na votação de melhor romance realizado pelo r/animes e também ganhou o Phoenix Award. Não é preciso grandes pesquisas ou números para afirmar que Yagate Kimi ni Naru se tornou um pilar fundamental na história dos yuris, consagrando a importância da Nio Nakatani como escritora. Devido a isso tudo, muitos fãs e entusiastas esperavam pra saber qual seria a próxima obra da autora.

 E enfim, na segunda metade do ano de 2021, foi noticiado que seu próximo mangá seria a obra que será conversada aqui nesse post, Kami-sama ga Machigaeru (atualmente publicado digitalmente em inglês com o título God Bless the Mistaken). Para a surpresa de muitos, a obra não era um yuri, mas sim um slice-of-life sci-fi. Embora a autora já tivesse declarado que seria assim, isso não é de conhecimento de muitas pessoas no ocidente. Embora no Japão o mangá esteja sendo muito bem recebido, ainda sinto que existem muitas incertezas entre os fãs de YagaKimi aqui no Brasil. Afinal, autores de mangás que trabalham com muitos gêneros diferentes não chega a ser algo muito comum. Não é sempre que aparece um Naoki Urasawa. No caso da Nio, eu vi muita gente comentando, antes mesmo da obra ser lançada, que KamiChiga seria um romance com diferença de idade entre os protagonistas. Um tipo de narrativa que as pessoas ainda nutrem um certo receio, embora existam ótimos exemplos de obras que lidam com essa temática, como o mangá Koi wa Ameagari no You ni.

 

Capa do volume 1.

 Já em seu primeiro e único volume lançado até o momento, fica claro que, não apenas os gêneros são diferentes, como KamiChiga é uma narrativa completamente oposta a YagaKimi. A história do mangá se passa em um mundo ocasionalmente sofre bugs. Falhas surreais que afetam as vidas das pessoas. Às vezes esses bugs afetam o mundo diretamente, outras vezes afetam apenas os sentidos das pessoas. Os bugs são os mais variados possíveis, como árvores crescendo nas cidades ou as pessoas caminhando pelo céu. Em meio a isso tudo, a nossa protagonista, Kasane, é uma especialista no assunto, e que tem uma peculiaridade; ela é a única pessoa do mundo que não é afetada por bugs. Ao lado da Kasane e seu pequeno assistente Kon e de seus colegas que moram na mesma casa, Kami-sama ga Machigaeru narra como as pessoas lidam de maneiras diferentes com essas falhas do mundo. Uma história em que os personagens lidam com mudanças temporárias surreais, enquanto eles mesmos mudam muito lentamente.

Bug que faz plantas crescerem na cidade no capítulo 1.

 O tema mudança é sem dúvidas a maior diferença entre KamiChiga e YagaKimi. Em YagaKimi, os personagens lidam com as mudanças de maneiras diferentes. Alguns destorcem a ideia, outros ficam imóveis com medo das mudanças que podem ocorrer, e outros querem mudar seu interesse amoroso e a si mesma. A Touko, a Yuu e a Sayaka estão unidas por essa ideia. A Touko que decidiu usar máscaras para tentar concertar um acontecimento sem volta. A Yuu que não entende o amor, mas anseia por sentir esse sentimento. E a Sayaka que ficou estagnada no mesmo lugar, pelo medo de que sua relação com a pessoa que ama mudasse. Independente de como elas pensam, o cruzamento das histórias delas faz com que todas sejam arrastadas às mudanças. Enquanto isso, em KamiChiga, independente de quão estranho esteja o mundo, os personagens permanecem quase imutáveis.

Kon fazendo algo inesperado e criando um ótimo momento.

 Como pode ter ficado claro, a história criada pela Nio Nakatani é bastante contemporânea a situação atual do mundo. Em entrevista ao natalie.mu (que influênciou fortemente a escrita desse post), a autora explicou a relação entre KamiChiga e a situação do COVID-19. Para ela, mesmo depois de ter acontecido algo tão estranho, que afetou a vida de todos, a vida cotidiana dela não teve escolha a não ser continuar. E agora, com a situação voltando ao normal, ela percebe que muitas coisas permaneceram imutáveis. De certa forma, KamiChiga é uma trama muito fácil de ser associada ao leitor. Todo mundo passa por coisas inesperadas. E na maioria das vezes, continuamos seguindo em frente.

 Pra quem gosta de ler iyashikeis como Yokohama Kadaishi Kikou, Aria e qualquer iyashikei que contemple a passagem do tempo, já sabe o potencial que uma história assim tem. Esse tipo de narrativa pode apresentar tipos interessantes de desenvolvimento de personagem. Exemplo, em KamiChiga, por ter essa estranheza dos bugs, o leitor pode tentar adivinhar o que determinado personagens fará em determinadas situações. Isso é um tipo de caracterização, onde o leitor vai ficando mais íntimo do personagem, sem que esse precise de muitas mudanças. Uma boa estrutura narrativa para uma obra atualmente episódica.

 A personagem que representa essa narrativa que muda muito pouco, é a Kasane. Tanto ela quanto o Kon mantêm a proposta episódica muito bem. Através de como eles lidam com os bugs, pequenas coisas em suas relações são apresentadas ou modificadas. Alguns desses bugs também trazem uma visão que permanece única no capítulo em que é apresentado. Como no capítulo do bug em que apareciam tsuchinokos, que são pequenas cobras do folclore japonês. Essas criaturas que apareciam, eram modificadas de acordo com a perspectiva de cada pessoa que a via. Isso criou uma dinâmica que apresenta o ponto de vista de cada um, e como cada pessoa entende as coisas diferentes, ao não serem apresentadas à informação real. Cada capítulo permite dinâmicas diferentes. Mas a relação entre o Kon e a Kasane vai se tornando algo interessante. Pelo menos até agora, não existe qualquer vestígio de romance, mas a Nio continua brincando com essa ideia de um personagem que fica provocando o outro. A relação dos dois parece bastante de irmão menor e irmã mais velha. A Kasane é uma personagem bastante interessante, vale ressaltar.

Essa página é literalmente o máximo de fanservice que você vai encontrar no volume 1. Ou seja, nada.

 Até agora a obra manteve uma estrutura episódica, então muitas coisas não posso comentar sem dar spoilers. Cada capítulo é bastante interessante. Sempre entregando algum bug inusitado, e então vemos como isso afeta cada personagem e a relação entre eles. No geral, o cast de personagem é bastante sólido, como é característicos das obras da Nio Nakatani. Só que dessa vez, eles estão em uma atmosfera mais relaxada e sem algum grande drama. KamiChiga é definitivamente um iyashikei, e como tal, seus personagens e a atmosfera da obra são o mais importante nesse novo trabalho da Nio.

 O fato de ser muito diferente de YagaKimi, na verdade, é um motivo a mais para ler o mangá. Por incrível que pareça, a autora cresceu assistindo e lendo shounens. Isso é algo que a influência até mesmo em YagaKimi. No entanto, KamiChiga também é muito diferente de um shounen. Independente de influências, a Nio é uma escritora muito autoral. Parafraseando a autora, Kami-sama ga Machigaeru realmente não se importa com o gênero, é puramente mangá com a sensação de uma boa leitura. Ela está escrevendo o que gosta de ler. E isso é diversidade narrativa. Se for um erro, Deus há de abençoar, também.



 No meu blog pessoal, o Animelancolia, tenho dois textos sobre Yagate Kimi ni Naru. Um sobre a interpretação dos elementos visuais da opening, e o outro sobre uma estranha interpretação do capítulo 24 do mangá. Dependendo de quão no futuro você esteja lendo isso, é possível que já tenham muito mais posts sobre YagaKimi do que apenas esses dois, já que é uma obra da qual sou fã e pretendo escrever muito.

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