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Aku no Hana é sobre a aceitação do inevitável, estoicismo e também das frescuras adolescentes | Review


Autor: Oshimi Shuuzou
Serialização: Bessatsu Shounen Magazine
Lançamento: 09/09/2009

Seria impossível começar essa análise sem comentar de seu autor, Oshimi Shuuzou, e como ele transformou Aku no Hana em uma “comédia romântica” meio tosca em uma grande obra dos anos 2000.

O elemento mais óbvio de se observar ao longo da leitura é como o autor evoluiu seu estilo artístico, tanto em aspectos técnicos da construção das páginas, posicionamento dos requadros, enquadramentos das ações, posicionamento geográfico, entre outras coisas, quanto na atenção aos detalhes e no famigerado “realismo” artístico (que de realístico não tem nada de fato). Ao longo da minha leitura de Aku no Hana, foi ficando cada vez mais claro que tanto a narrativa quando a arte do Oshimi evoluía de forma exponente, então a partir do quarto ou quinto volume, você começa a perceber que os personagens são muito mais expressivos, e que existe todo um trabalho na construção da anatomia dos personagens, os fazendo parecer bem mais palpáveis, o que também ajuda a nos identificarmos com eles, bem como os traços mais firmes e consistentes apresentado nessa etapa do mangá, fora todo o trabalho de direção das cenas e o enquadramento das ações e diálogos, que aos poucos foi se tornando algo essencial na construção das páginas desse mangá.

Como disse no início dessa resenha, a narrativa foi acompanhando essa evolução artística, então os temas que são abordados nessa obra foram cada vez mais ganhando corpo e naturalmente amadurecendo. Então o que antes parecia ser somente uma mangá de comédia romântica, acaba mostrando muito mais do que os olhos podem ver.

O começo pode ser meio merd@

O início da história acaba sendo a parte menos interessante dessa obra, não por ser desinteressante ou chata por si só, ela só não nos diz muito de início, sabe? Esse primeiro arco do mangá tem como intuído nos apresentar os personagens e desenvolver o grande conflito que o protagonista, Kasuga precisa superar, que basicamente podemos resumir em: “pegaram o Kasuga com as calças na mão roubando a roupa de ginastica do seu grande amor, Saeki”, e a pessoa que pegou Kasuga no flagra é a pessoa que vai tornar sua vida em um inferno. Sinceramente, eu gosto de histórias com premissas meio malucas como essa, sabe? Geralmente esses animes e mangás de comédia/comédia romântica fazem isso, sem muito compromisso em construir bons personagens, que tenham realmente uma tridimensionalidade, narrativamente falando. Mas obviamente eu fico feliz que Aku no Hana não se limitou a somente isso.

Aos poucos vamos percebendo que existem temas sendo debatidos no texto e subtexto dessa obra que nem todos consegue captar em uma primeira leitura, temas como a obsessão por pertencimento, a busca por se encaixar em um lugar e seguir o fluxo da maré, uma discussão bem atual dentro da sociedade japonesa, ou mesmo a procura pela validação e aprovação alheia, e como isso pode mudar uma pessoa, fazendo-a tomar decisões totalmente descabidas, e tudo isso vai sendo trabalhado bem aos poucos no mangá. Então faça um favor a si mesmo e de uma chance para essa obra, e leia pelo menos até o quarto ou quinto volume, tenho certeza de que valerá a pena.

A busca pelo pertencimento de uma pessoa vazia

Talvez um dos problemas que exista nesse mangá é justamente seu protagonista, não por ser mal escrito ou mal desenvolvido ao longo da história, e sim por sua personalidade fraca e vazia, sabe? Ele não é um personagem ativo na história em quase nenhum momento, ele sempre se deixa levar pela vida, dia após dia, e isso o faz as vezes se prender a coisas igualmente vazias, como a sensação de ser superior a todos a seu redor, somente porque lê alguns livros, livros esses que muitas vezes ele sequer entende, e isso vai devorando-o por dentro, uma pessoa superficialmente vazia, sem desejos, anseios, somente vivendo um dia após o outro... Talvez isso te lembre da sua própria vida, não acha? Porque você pode pensar “Mas eu não sou assim, eu tenho sonhos, desejos, quero me tornar alguém importante”, mas será mesmo que você quer isso? Ou será que alguém impôs isso a você? Na leitura desse mangá, ficamos incomodados com Kasuga, justamente porque sabemos que no fundo, somos iguais a ele, pessoas que se prendem a coisas fúteis, que se sentem intelectualmente, ou até fisicamente superiores aos outros, e nos afundamos cada vez mais em nossa soberba, sem nunca admitir que somos apenas pessoas normais, pessoas meio feias e meio burras que não temos grandes sonhos a realizar, ou caso tenhamos, muito provavelmente foi algo imputado por um terceiro, talvez um parente ou um amigo, e devido a nossa incessável vontade de pertencimento, de agradar a aqueles que fazem parte da nossa bolha social, acaba que, de forma inconsciente, acreditando que esses sonhos são nossos. E é justamente quando me peguei tendo essa percepção sobre minha experiência com a obra, que a Nakamura veio a minha cabeça, pois ela é uma alegoria para o “real”, ela é quem dá um choque de realidade na vida de Kasuga, onde aos poucos ela vai mostrando ao Kasuga o qual patético e miserável ele realmente é, assim como todo ser humano, que em sua natureza é hostil, miserável e patético... Todos nós, em algum nível somos assim, o grande problema é que nem todos nós temos uma “Nakamura” em nossa vida, para nos lembrar que não passamos de meras formas de vida sem muita significância no âmbito geral da vida. Uma pena que o Kasuga não conseguiu aprender essa lição tão bem assim.


Kasuga, aos poucos vai entendendo sua verdadeira natureza, e lentamente vai deixando sua máscara cair, mostrando seu “verdadeiro eu”, um “pervertido”, como a Nakamura gosta de o chamar, e perceba todo o simbolismo que essa palavra “Pervertido” tem, pois ela não tem somente uma conotação sexual, mas também se refere a todos aqueles desejos “sujos” que temos dentro de nós, a vontade de muitas vezes desistir de nossas vidas, ou mesmo de cometer algum ato moralmente questionável, e é justamente nesse o ponto que esse mangá toca. Quando Nakamura fala a Kasuga que ela quer “tirar todas as suas camadas de pele” é justamente isso que ela quiz dizer, ela quer expor a verdadeira pessoa dentro de Kasuga, essa pessoa suja, cheia de sentimentos conflitantes e com desejos desprezíveis, e é justamente isso que ela faz, ela derruba a máscara de Kasuga, e é nesse momento que esse mangá consegue mostrar toda sua qualidade narrativa.

Após Kasuga conhecer quem ele realmente é, ele acaba percebendo que a única coisa que precisa é “pertencer”, ou seja, ele precisa se encaixar em algum lugar para pertencer a algo ou alguém, e esse pertencimento ele acha em Nakamura, então Kasuga acaba novamente se prendendo a algo “fútil”, ele se prende a um estigma social de que você, enquanto individuo, precisa ser útil, precisa construir algo em prol da sociedade, e esse bem maior, para Kasuga, é viver ao lado de Nakamura. Então perceba a crítica que o autor quis fazer aqui, justamente sobre isso que comentei a pouco, sobre nossa necessidade inerente que temos de pertencer a algo, nossa vontade de fazer parte de um grupo de pessoas, que nos faz sentir útil de alguma forma, e essa necessidade que sua mente cria vem desde cedo, com seus pais o ensinando que você precisa fazer sempre bem ao próximo, pois de alguma forma vocês todos fazem parte de um grande organismo vivo, onde se um faz mal ao outro, toda a sociedade é “punida” por conta disso, algo que remete bastante ao xintoísmo inclusive... Mas será mesmo que devemos viver assim? Será que o grande objetivo de nossas vidas é ser apenas uma engrenagem na grande máquina que chamamos de “sociedade”?


A validação social em Aku no Hana

Finalmente chegamos em uma das personagens que eu mais queria falar, personagem essa que foi muito bem escrita e desenvolvida ao longo de toda a obra, Saeki. A personagem da Saeki é realmente muito bem construída, suas vivencias e motivações são muito calcadas na realidade, algo facilmente relacional, sabe? Todas as ações que a Saeki toma ao longo da história são fáceis de entender, pois sua construção como pessoa vem justamente dessa criação de filhos típica japonesa, onde os filhos são ensinados a ser um integrante saudável da sociedade, e muitas vezes são instruídos a dar sua vida se preciso, para não desapontar aqueles que ama, então Saeki, durante toda sua vida foi uma pessoa vazia, assim como Kasuga, uma pessoa que nunca achou o real sentido de sua existência, pois tudo que ela fazia, desde seu ótimo desempenho na escola, até suas aulas de piano, tudo aquilo era somente para agradar seus pais, nada daquilo realmente era algo que a Saeki gostaria de fazer, ela o fazia apenas para agradar as pessoas a sua volta, e principalmente para ter uma validação externa.


Saeki exemplifica toda a discussão da validação e pertencimento que essa obra aborda, onde tudo que nós fazendo, de certa maneira, só o fazemos para agradar alguém, ou para ter a validação de terceiros, então quando você vai até a sua mãe, e diz a ela que você finalmente conseguiu ser aprovado em uma faculdade de renome, você não faz isso porque quer compartilhar sua felicidade com sua mãe, e sim para receber sua aprovação, para ouvir ela falar “bom garoto”, e essa sua necessidade de aprovação vai se arrastando pelo resto de sua vida. No trabalho você se dedica horas e mais horas para entregar um novo projeto, tudo para receber um “bom trabalho” do seu chefe. Claro, pode ser que você genuinamente queira ver as pessoas felizes ao seu redor, mas muito provavelmente, bem lá no fundo de sua alma, você só faz isso para se sentir bem consigo mesmo, para receber a validação e aprovação de terceiros, você só se sente um ser vivo quando alguma pessoa vem até você e te reconhece como tal... E acredito que grande parte de nós, pessoas comuns, estamos fardadas a isso, a viver uma vida vazia, sempre buscando a felicidade em coisas banais, como bens materiais, ou mesmo na busca de aprovação externa, vamos sempre cair mais e mais nesse maldito poço que chamamos de vida.

Mas afinal, isso é a adolescência, não é?

Se você leu essa análise até o aqui, talvez tenha pensado “Tudo isso é apenas aquilo que passamos na fase da adolescência”, e de certa maneira, você está certo. Aku no Hana basicamente pega todas aquelas sensações que temos em nossa adolescência, os medos, inseguranças, e multiplica isso vezes 10, nos mostrando o que poderia acontecer caso dois jovens levassem esses sentimentos até as últimas consequências. E esse é só mais um dos acertos que esse mangá tem, de trazer muitas dessas discussões para o grande público, pois, mais do que em qualquer lugar, o Japão possui uma sociedade que cobra e espera muito de sua população jovem, então, em muitas vezes, os jovens nem sequer tem tempo de parar e refletir sobre seus sentimentos, pois sempre estão estudando, ou então trabalhando em meio período, tudo para atender as cobranças de seus pais, e não só a deles, mas da sociedade como um todo.
Então além de tudo, também existe uma crítica meio velada aqui sobre como a sociedade vê sua população mais jovem, e sobre todos os malefícios que isso pode causar na mente desses jovens, principalmente quando não se é dado o espaço para um diálogo sobre tais temas, seja em sala de aula ou em casa... O jovem se vê muitas vezes preso, preso a essas amarras sociais e a essa cobrança de ser cada vez melhor, cobrança essa que muitas das vezes são a maior motivação de um jovem tirar sua própria vida, e não é à toa que o Japão possui um dos maiores índices de suicídio do mundo.

Mangá x Anime e a mediocridade do otaku "Standard"

Você muito provavelmente já deve ter ouvido essa frase sobre Aku no Hana: “Não assista o anime, ele é feio, leia o mangá”, e é muito provável que você ouviu isso de um colega ou amigo que acompanha fielmente todos os animes recém lançados de cada temporada, o típico perfil do otaku médio. Acho que o grande ponto aqui é o que é “feio” realmente? O que nós conseguimos definir como feio ou bonito? Se é uma arte “padrão anime” então é bonito, mas caso o autor opte por fugir um pouco dessa estética “padrão anime”, aí é feio, não é? Esse tipo de comentário é tão pobre em tantos níveis, que nem sei por onde começar, mas vamos lá. Claramente o anime de Aku no Hana foi feito para ser “feio”, foi feito para incomodar, digamos que foi uma feiura proposital, em nenhum momento o diretor pensou “Vou tentar fazer esse anime o mais genericamente bonito possível”, pelo contrário, ele muito provavelmente pensou “como posso usar a estética ao meu favor para transmitir minha mensagem?”, e com isso chegamos a essa estética final do anime de Aku no Hana. Claramente tudo ali foi feito para nos incomodar, desde a estética da animação, feita em rotoscopia, que mistura uma animação muito real e fluida, junto de um estilo artístico “flat”, misturando cores bastante pasteis e opacas, tudo isso para construir um clima que nos incomoda, que nos tira da nossa zona de conforto.


Para não me alongar muito nesse tópico, podemos dizer quem sim, o anime de Aku no Hana pode ser considerado “feio”, a depender de sua concepção de feio, mas nada me tira da cabeça que quem fala isso é só mais uma otaku médio que ainda precisa aprender muita coisa na vida.

Aku no Hana é nossa necessidade de seguir em frente

Acredito que o principal ponto dessa obra é mostrar a jornada de um personagem seguindo em frente, e como podemos aceitar nosso passado, aprender com os erros e seguir em frente, e assim continuar o fluxo da vida. Não adianta fugir do nosso passado, fingir que não aconteceu, ignorar os grandes olhos da flor do mal, pois uma hora ou outra esse passado vem nos assombrar... Aku no Hana é sobre aceitar o inevitável, mas também é sobre lutar contra aquilo que achamos ser inevitável, é sobre o passado, mas também sobre o presente, e como tudo isso, no final, nos torna apenas humanos.


Resenheiro de deseinho japonês, audiófilo e sommelier de café nos tempos vagos.

Cargo: Escritor/Parceiro  

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