Estúdio: Universal
A utilização de bonecos “vivos” (fantoches e marionetes) em filmes e séries é uma prática antiga, um exemplo é Sara and Hoppity de 1962. Por mais que estes tipos de programas fossem voltados para os juvenis, sendo majoritariamente inofensivos e até educativos, mas por vezes, pareciam flertar com o macabro, seja pela aparência dos bonecos e ou até pelos temas que apresentavam. The Dark Crystal não foge desta “essência” e Henson, junto com Brian Froud, mostram para o público as estranhas criaturas do mundo de Thra, utilizando fantoches e animatrônicos.
Henson (esq.) e Mullen (dir.) na manipulação dos fantoches. |
O estranho mundo de Thra |
The Dark Crystal não difere muito das outras produções de fantasia, em que as forças do mal ameaçam o destino do mundo e o escolhido da profecia que trará o equilíbrio ao universo em que habita. É até possível observar algumas semelhanças entre o longa de Henson com o romance de J.R.R. Tolkien, O Senhor dos Anéis, como a jornada do herói improvável, que carrega consigo um pequeno objeto capaz de alterar o status quo. Obviamente, podemos pensar em N obras que seguem esta cartilha, no entanto, Jim Henson tanta trazer certa "profundidade", já que nem tudo é tão simples quanto aparenta ser.
Em Thra, vivem dois de seres que são totalmente antagônicos. Os Skeksis, cruéis, possessivos, egoístas, emotivos e acima de tudo, materialistas. Já os Mystics são gentis, altruístas, espiritualistas, no entanto, apáticos. É com as características destes grupos que Henson tenta passar sua mensagem. Comumente os contos de fantasia trazem uma visão maniqueísta (não existe nada de errado nisso), onde forças totalmente contrárias estão em constante conflito (ordem e caos, luz e trevas, bem e mal). Uma ascenderá em detrimento da outra, e neste ponto, o ideal de equilíbrio se perde. The Dark Crystal abandona o conceito de confronto, e busca pela complementariedade, e por mais que os opostos sejam inconciliáveis, dependem um do outro, afinal, o que seria o bem sem o mal, ou a vida sem a morte? A inexistência de um representa o desaparecimento do outro, ou seja, não há significado para apenas um prevalecer, e quando os opostos estão em completude, representam a via ideal. Provavelmente é onde entra o ato simbólico do protagonista Jen (Stephen Garlick, Jim Hensom e Kiran Shah) unir o fragmento perdido no Cristal (O que foi separado e desfeito será completo novamente).
Henson, em seu filme, também aborda sobre a morte, de maneira comedida, devido à audiência. A obra trata o fenômeno não como fim, mas enquanto fase de transição. É o desfecho do material e a passagem para o imaterial.
Jen lamenta a morte de seu mestre, enquanto Aughra enxerga por outra perspectiva. |
O diretor busca associar o fim da vida a uma espécie de efeito de renovação e transformação, comum para todos os seres. Ora, por que tanta angústia e temor pelo simples pensamento de morrer? Henson entrega sua resposta por meio dos Skeksis, que estão fortemente apegados ao material, e o valorizam acima de tudo.
Depois do longa, Henson e Oz nunca revisitaram o mundo de Thra, apesar de houver uma expansão do universo em outras mídias. Bryan Froud se aprofunda na mitologia da obra, publicando os quadrinhos Creation Myths, explicando e detalhando os eventos que antecedem ao filme de 82. Entretanto, É apenas em 2019 que The Dark Crystal retorna no formato de audiovisual, com a série The Dark Crystal: Age of Resistence, distribuída pela Netflix.
A priori, Age of Resitence é exatamente o que The Dark Crystal precisava, um desdobramento para o universo criado por Henson e Oz, obviamente um filme de pouco mais de uma hora não conseguiria mostrar muito. A série mergulha nos aspectos culturais, sociais, políticos e mitológicos de Thra, e logo em sua introdução, insere qual é a grande problemática da história, e no decorrer, trabalhará suas consequências.
Inicialmente a série seria lançada como uma animação em computação gráfica, porém, a Netflix sugeriu que o seriado fosse produzido com efeitos práticos, resgatando a síntese do filme de 82. Certamente que o CGI não é descartado, sendo utilizado de forma híbrida com técnicas mais manuais, além de possibilitar uma miríade de movimentos e interações para os bonecos.
Mesmo com os diversos avanços tecnológicos, Age of Resistence mantém a essência do filme original, ser um show dominado por fantoches. |
SkekSil (The Chamberlain) diz como as coisas funcionam. |
O seriado consegue reforçar que produções envolvendo fantoches não são necessariamente direcionadas única e exclusivamente para crianças. Age of Resistence vai até um pouco mais longe em relação ao antecessor, mas não o faz apenas para parecer adulto, pois, grande parte dos assuntos irão tomar um rumo nefasto.
Mesmo tendo conquistado o Prêmio Emmy, a série foi cancelada pela Netflix, sobre qual justificativa? De modo resumido, o gasto com a produção foi muito grande, enquanto o retorno em visualizações (espectadores) ficou abaixo do esperado, mesmo com a boa recepção da crítica. É como se o fantasma do passado voltasse para assombrar The Dark Crystal, e novamente, cai em uma indefinição para o público. Não é uma animação, mas também não é, necessariamente, um live action, tampouco é exclusivamente voltado para o público infantil.
Jim Henson parece ter ganhado o título, mas também o estigma, de patrono dos seriados infantis, principalmente graças ao sucesso de The Muppets Show e Sesame Street (Vila Sésamo), sendo frequentemente associado a estes programas de TV. Quando o artista tenta se reinventar, criando um universo cheio de misticismo e significados, acaba indo não muito longe. Apesar dos esforços para a retomada da franquia, o futuro de The Dark Crystal segue obscuro.
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