O ato ou efeito de faltar com a verdade, ludibriar, enganar, iludir e etc, correspondem a mentir. A existência de um quadro em que há uma compulsão por contar inverdades, é conhecida por mitomania. O indivíduo tende a mentir compulsoriamente, seja qual for a necessidade. A compulsão, geralmente, é movida pela necessidade do sujeito sentir-se admirado, em que o narcisismo determina o impulso para o ato de mentir. Um exemplo de fácil associação seria o seu colega de trabalho pabuloso, que exibe o que não tem, ou mostra o que não é, de maneira constante.
Pois bem, nem sempre a mentira está associado a uma conduta enganadora por si só, mas sim, a de defesa. Recusar a realidade consiste em uma forma de proteção do indivíduo contra algo, que supostamente possa causar-lhe dor ou sofrimento. Diante disso, “mentir para si mesmo” pode tornar-se uma maneira da pessoa suportar a vida, e é seguindo tais preceitos que o mangá Satougashi no Dangan wa Uchinukenai: A Lollypop or A Bullet (ou apenas A Lollypop or A Bullet, para facilitar), aborda uma discussão interessante.
O mangá apresenta o inesperado encontro entre Yamada Nagisa e Umino Mozuko. Nagisa se autodenomina uma pessoa realista, que observa a realidade como é, difícil e árdua. Qualquer tipo de pensamento que se desassocie do real, ela o considera fútil. Em contrapartida, Mozuko cria uma narrativa fantasiosa sobre si. A mesma afirmar ser uma sereia que veio a terra em busca de um amigo. Até este ponto, nada extraordinário, apenas um faz de conta para chamar atenção. O charme está na personagem esforçar-se em convencer a sua ficção.
Umino Mozuko inventa uma narração, consideravelmente persuasiva, de ser uma criatura do mar, como o fato de sempre beber água, ou utilizar algum evento ou fenômeno natural para reforçar a sua mentira. Quando Mozuko vê uma lata de bebida na margem da praia, ela cria uma relação fictícia entre as escoriações que tem no corpo com os efeitos da poluição marinha. Apesar do faz de conta criado pela Mozuko, seria fácil concluir que ela seja apenas uma dissimulada. De uma perspectiva geral, ela está tentando se desvincular da realidade, e a autora, Sakuraba Kazuki, entrega muita munição para a personagem atirar suas “balas de açúcar” contra Yamada, ou, tentar atingir o leitor.
Mentiras podem revelar uma parcela de verdade no ser. Umino retrata uma personagem emocionalmente depende, carente de afeto e ávida por atenção. A grande ironia é que a garota vai buscar todos esses elementos em alguém completamente antagônico a ela.
A mentira não é simplesmente a opositora da verdade. Jacques Lacan comenta que o fictício não é, em essência, enganador. A mentira é criativa, e gera “realidades”. Seguindo a perspectiva, existem relações entre verdade e mentira, real e ilusório. Esses não são vistos como entidades separadas ou contraditórias, mas passam a ser comunicantes, ora, então a Verdade e a Mentira andam e brincam juntas. Metaforicamente é possível encaixar esta visão na relação entre Yamada (Verdade) e Mozuko (Mentira).
Mário Quintana, em Poema para a Infância, diz que a mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer. No entanto, poderá haver um momento em que a Verdade deseje que a Mentira aconteça, e assim, torne-se verdade.
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