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Forjando O Senhor dos Anéis | Artigo



1. INTRODUÇÃO:

O Senhor dos Anéis é o título dado ao livro escrito por John Ronald Reuel Tolkien (J. R. R. Tolkien), na década de 50, sendo adaptado pela New Line Cinema, e dirigido pelo neozelandês Peter Jackson. Assim como os romances, os filmes tiveram três partes, A Sociedade do Anel (2001), As Duas Torres (2002) e O Retorno do Rei (2003). De maneira resumida, a obra narra a jornada de Frodo Bolseiro, um hobbit do Condado, para a Montanha da Perdição, onde destruirá o Um Anel para salvar a Terra Média.

É indiscutível que O Senhor dos Anéis se tornou um marco na cultura pop e influenciou uma geração. Referências aqui e ali, memes para dar e vender e entre outros elementos. O impacto cinematográfico dos filmes talvez seja análogo ao de Star Wars (1977), além de ter sido um dos responsáveis por moldar significativamente a maneira de como os estúdios americanos encaram as adaptações cinematográficas dos livros de fantasia.

O presente texto trará informações, curiosidades e alguns elementos sobre O Senhor dos Anéis, com enfoque nas adaptações cinematográficas.


1.1. Os filmes antes do filme:

“Só há um Senhor do Anel. Apenas um que pode dominar à sua vontade. E ele não partilha o poder. ”

Muito antes de Peter Jackson imaginar dirigir o filme de O Senhor dos Anéis, Denis O’ Dell, em 1968, teve a ideia de produzir o filme. O’Dell escalaria os Beatles para o elenco principal. Na época a Banda estava na Índia, então o diretor enviou os três livros para os membros.

Fora cogitado os papeis de cada integrante da Banda. Paul McCartney seria Frodo, Ringo Starr interpretaria Sam, John Lennon seria Gollum e George Harrison atuaria como Gandalf. Provavelmente o longa seria alguma espécie de musical de fantasia, ideia confirmada por McCartney. No entanto, o projeto de O’Dell não foi para frente já que Tolkien não se agradou da ideia de um grupo pop produzir o seu livro, e acabou não vendendo os direitos.

Em 1978 O Senhor dos Anéis ganha as telas de cinema pela primeira vez. The Lord of the Rings, de Ralph Bakshi, é um filme animado que engloba A Sociedade do Anel e As Duas Torres. Bakshi é conhecido por realizar animações nem um pouco amistosas para o público infantil (Fritz the Cat é um ótimo exemplo), mais também pela utilização de técnicas de rotoscopia, e não seria diferente em The Lord of the Rings, o que causou certa estranheza.              

                                                
As vezes era difícil distinguir quem é quem, e o que está acontecendo. The Lord of the Rings (1978).
                                       

Apesar dos problemas, a tentativa de Bakshi em adaptar o livro de J. R. R. Tolkien serve como base e direcionamento para a trilogia de Jackson, tanto que o cineasta neozelandês se inspira, e até usa como referência alguns elementos da animação de 78.

No ano de 1980, é lançado o filme televisivo The Return of the King criado pela Rankin/Bass Animated Entertainment e pelo estúdio Topcraft. Em verdade, a animação é uma sequência de The Hobbit (1977), e se chamaria Frodo: The Hobbit 2, o que faria mais sentido, pois, o filme adapta apenas uma parte do livro O Retorno do Rei.     

Primeira manifestação do Olho de Sauron na animação da Rankin/Bass. Mais tarde o conceito é reaproveitado por Peter Jackson.


The Return of the King foi alvo de uma ação judicial interposta pela Tolkien Estate e Fantasy Films, alegando que Rankin/Bass não teria assegurado os direitos televisivos do livro nos Estados Unidos e no Canadá, onde o filme também estreou, ameaçando o lançamento da obra. A ação foi resolvida pela afirmação de que o romance teria caído em domínio público, assim, a empresa teria adquirido de maneira legítima os direitos televisivos.


1.2. Uma adaptação impossível de fazer:

“Certeza de morte. Pequena chance de sucesso. O que estamos esperando?"

É de conhecimento geral que J. R. R. Tolkien era bastante protecionista em relação ao Senhor dos Anéis, não cedendo os direitos sobre a obra. Tanto é que ele barrou o projeto de Denis O’Dell nos anos 60. No entanto, a United Artists adquiriu os direitos sobre o livro no final da década. Com o falecimento de Tolkien em 1973, para o bem ou para o mal, seria mais "fácil" conseguir adaptar algo relacionado ao livro sem as intervenções do autor.

Não demorou muito para a United Artists montar seu projeto de adaptação. John Boorman, no final dos anos 60, começou a trabalhar em um roteiro de O Senhor dos Anéis. O diretor planejava adaptar os três livros em apenas um filme, o que não parecia ser prudente, além dele se distanciar do material original.

No texto de Boorman a personagem Galadriel teria uma noite com Frodo, Aragorn e Boromir possuiriam uma rivalidade para saber quem ficaria com a espada quebrada (Fragmentos de Narsil) e Saruman seria uma femme fatale, seduzindo Gandalf. Para a infelicidade do diretor (e para nossa felicidade), a Roda da Fortuna girou de maneira contrária. A United Artists não dispunha de cachê para financiar o projeto, fazendo com que ele desistisse da ideia.

Em 1974, Ralph Bakshi soube da saída de Boorman e entrou em cena sugerindo que, em vez de realizarem um live action, fizessem um filme animado, o que não seria tão custoso. A ideia de Bakshi era produzir 2 ou 3 filmes de O Senhor dos Anéis, além de O Hobbit. O executivo da United Artists, Mike Medavoy, ofereceu o roteiro de Boorman, o qual Bakshi recusou, comentando que seria loucura espremer os 3 livros e criticando o diretor, afirmando que ele não teria entendido a obra de Tolkien.

Bakshi ainda conseguiu lançar um filme, mas seus outros projetos envolvendo os livros de J. R. R. Tolkien foram cancelados. Na verdade, Bakshi aceitou a empreitada de dirigir o filme para salvar seu estúdio da falência. Em 1976, a United Artists vendeu os direitos das obras de Tolkien para Saul Zaentz.

Na década de 90, O Senhor dos Anéis volta a ser assunto nos estúdios de Hollywood. Desta vez, têm Harvey Weinstein, ex-produtor e um dos donos da Miramax, e Peter Jackson, cineasta neozelandês mais conhecido por produzir e dirigir filmes B (Náusea Total e Braindead), como figuras centrais. A princípio, Weinstein propôs a Jackson a produção de 3 filmes: O Hobbit e 2 filmes de O Senhor dos Anéis.

Eventualmente, foi informado que os direitos de O Hobbit estavam com a companhia Metro-Goldwyn-Mayer, sendo improvável produzir uma adaptação cinematográfica na época. Falando em direitos autorais, nem era certo conseguir os de O Senhor dos Anéis, o que fez Jackson frear o projeto e sugerir um remake de King Kong (lançado em 2005) em parceria com o estúdio Universal.

Ao saber que a Disney estava produzindo o filme Mighty Joe Young (O Poderoso Joe, 1998), a Universal preferiu abandonar o remake de Kong, já que lançar outro filme de gorila gigante não parecia uma boa ideia. A saída da companhia do projeto fez com que Peter Jackson voltasse à estaca zero e direcionasse sua atenção, mais uma vez, para 'O Senhor dos Anéis.

Weinstein não é um indivíduo fácil de lidar, e assim como quase todo executivo de empresas cinematográficas, suas ideias são inquestionáveis. Tentando contornar o orçamento para o filme, o cabeça da Miramax juntaria todos os livros em um só filme (sim, de novo essa ideia) e cortaria diversos aspectos importantes da obra. Observando que o conceito não daria certo, Jackson entrou em conflito com Harvey e ameaçou abandonar o projeto. Conversa vai, conversa vem, a melhor saída seria arrumar uma parceria para dividir os custos da produção.

Jackson retornou à Nova Zelândia e durante 4 semanas preparou maquetes e testes de efeitos. De volta aos Estados Unidos, o cineasta tentou "vender o peixe" para diversos estúdios, obviamente sem sucesso, até que bateu na porta da New Line. Bob Shaye, presidente da companhia, assistiu à apresentação e não demonstrou muito interesse. O diretor neozelandês estava pronto para jogar a toalha, então o inesperado aconteceu.

Shaye perguntou por que seriam apenas 2 filmes, já que existem 3 livros; seria necessário fazer jus à obra de Tolkien. Em meados de 1997, Saul Zaentz concedeu os direitos de O Senhor dos Anéis à New Line, e assim, entre acordos e apertos de mão, a trilogia ganharia as telas de cinema.

Fazer com que O Senhor dos Anéis saísse do papel foi praticamente uma novela, com muitos altos e baixos. O saldo para realizar filmes sobre o universo de Tolkien era mais negativo do que positivo. Provavelmente ninguém esperaria que um fã de cinema conhecido por produções de baixo orçamento, que saiu da Nova Zelândia, conseguisse criar uma das trilogias mais aclamadas e rentáveis da sétima arte.



2. A SINFONIA DA TERRA-MÉDIA:


"Você sabe cantar, mestre hobbit?"

O que seriam dos filmes sem as trilhas sonoras? Algumas são tão memoráveis quanto os próprios filmes. Por exemplo, quando ouvimos Jaws-Main Title de John Williams, facilmente pensamos no longa 'Tubarão' de 1975. A trilha sonora é um elemento que transporta o espectador para um estado de encanto e, de alguma maneira, 'materializa' diferentes emoções e estados de espírito simultaneamente.

Howard Shore foi o responsável por apresentar o mundo de Tolkien por meio da música, utilizando uma variedade de linguagens harmônicas, orquestras e coros derivados dos livros, sempre buscando uma harmonização entre imagem e som. No entanto, a complexidade do trabalho reside nos temas (themes), que são as bases musicais sobre as quais se constrói a composição. Comumente, consistem em uma melodia reconhecível ou padrão rítmico característico.

Na composição, cada tema possui suas peculiaridades e características relacionadas a lugares, personagens, criaturas e outros elementos. Por exemplo, no tema de Isengard, a orquestra produz batidas metálicas utilizando materiais como correntes e címbalos, representando o avanço industrial maléfico criado por Saruman. Os temas relacionados aos Espectros do Anel (Ringwraiths) possuem uma forte presença coral, entoando canções nos dialetos da Terra-Média, tornando a presença deles sinistra e assombrosa.

Em contrapartida, Shire's theme possui melodias suaves e tranquilas, realçando a utilização da flauta, elementos que se alinham com a paisagem do Condado, que carrega um ar campestre e agradável. O tema da Sociedade do Anel, por sua vez, é praticamente o tema núcleo de A Sociedade do Anel, fazendo uso de vários arranjos orquestrais e evidenciando os instrumentos de sopro, simbolizando o heroísmo e a perseverança que os personagens devem dispor durante a jornada. Este tema possui uma 'mensagem oculta', composta por nove notas que representam os nove membros da Sociedade.

Nove notas para nove membros. The Music of the Lord of the Rings.
                        
Agora que entendemos um pouco sobre os temas, vamos observar como eles são apresentados na trilha sonora. A trilha sonora é, essencialmente, a união dos diferentes temas. O ponto crucial é unir os temas de maneira a criar uma espécie de "narrativa", que é conduzida pelas cenas do filme. Vamos ver como isso funciona na prática:

TRILHA SONORA

Track 27. The Siege of Gondor – The Return of the King.


Tema

“Gondor’s theme”.

A composição é aberta com intervalos em quinta, uma tentativa de encontrar o tema. Gondor sofre com a falta de clareza do theme (por isso em aspas). Um Bb descendente marca o começo de uma tragédia.


Agrupamento ascendente.


Falta de resolução temática para Denethor ou Faramir.

Uma linha de sopros ecoa das trompas.

A linhagem do regente chegou ao fim.



Tema

Mordor’s theme.

Marcado pela Terceira Descendente, exaltando a confiança dos orcs para subjugar a cidade do reino de Gondor.


Agrupamento ascendente.

Escala menor ascendente.

Escala cromática ascendente.



Retorno da Terceira Descende.

O exército de Mordor inicia o ataque.


Repetição da Terceira Descende.

Não há como vencer as forças de Mordor.



Tema

Fall of Men (invertida).

Linha cromática cobrindo uma oitava e meia.

Gondor está perdida, assim como o mundo dos homens.



Tema

The White Rider.

Violinos sustentam um G Agudo, unificando toda a orquestra numa enorme fanfarra.

Gandalf o Mago Branco, estimula os soldados de Gondor a lutarem. Ainda lhe resta esperança, mesmo que ínfima.



Tema

The Realm of Gondor.

O ritmo acelera novamente. Batidas de tambor são tocadas e misturam-se aos instrumentos de sopro.

Gondor reage ao ataque e demonstra que não se renderá facilmente.



Tema

The Orcs of Mordor.

Trombones e trompas progridem lentamente, até se juntarem aos trompetes em escala de E menor ascendente.

Os orcs não irão retroceder, e continuam o ataque.



Tema

The Power of Mordor/Ringwraith Theme.

Terceira Descendente unida ao coro, cantado em Sindarin.

Tellin i Neder – Os Nove chegaram

Gurth renia – A morte ganhou asas

Os Nove Espectros descem sobre a cidade. O pouco de esperança se torna desespero.



Retorno do tema The Orcs of Mordor.

Inicia-se o segundo assalto.



Tema

The Cruelty of the Orcs (invertida) /Threat of Mordor.

Sobre acordes de Fá menor (Fm) e Ré menor (Dm) são sinalizados os trompetes. A última nota liberta-se em escala ascendente de Eb menor por meio de violinos trêmulos.

Os orcs invadem as muralhas em um ataque violento. Seus números não parecem ter fim.



Tema

The Mordor Outline.

Uma variação de fagote pulsa com acordes de trompa estagnados.

O exército de Mordor ganha terreno sobre as muralhas da cidade.



Tema

The Fellowship Theme.

Vigor em E menor sem adorno dos metais de sopro. A seção B é substituída por escalas em E menor, primeiro descendente, depois ascendente. O pulsar das cordas graves, dos sopros e dos metais diminui.

Gandalf e Pippin defendem a muralha junto aos soldados, tentando frear as hordas que sobem os muros.



Regresso de The Orcs of Mordor.

Os orcs querem derrubar o portão principal.



Tema

The Evil of the Ring.

Padrão de cinco batidas unidas com o tema de Mordor.

O padrão de cinco batidas é predominante em Isengard theme, porém ressurge em The Evil of the Ring com menor força.

Grond, A Cabeça do Lobo, é avistada, e possui como objetivo derrubar o portão principal.


Fonte: The Music of The Lord of the Rings Films – Doug Jones (adaptado).

É notável a existência de uma "diegese melódica". Os temas relacionados a Mordor e aos orcs ganham mais destaque na trilha, evidenciando a vantagem bélica do exército de Sauron, apesar de os temas de Gondor buscarem alguma presença. Vale pontuar que os temas na trilha sonora podem apresentar-se sobrepostos, entrelaçados, repetidos e até não estarem bem definidos.

Se os elementos musicais desempenham um papel importante dentro da mitologia de O Senhor dos Anéis, não há justificativa para deixar tal aspecto de lado. O trabalho de Shore é um testamento do que a música pode realizar, fortalecendo sua importância e impacto dentro de uma produção cinematográfica. Não apenas servindo ao filme, mas elevando-o.


3. A MÁQUINA NÃO PODE PARAR:


"O velho mundo arderá nos fogos da indústria. As florestas cairão. Uma nova ordem irá se surgir. Nós conduziremos a máquina da guerra com a espada, a lança e o punho de ferro dos orcs." 

Se define máquina por qualquer conjunto de peças combinadas para receber energia, transformá-la e restituí-la de forma mais apropriada, produzindo determinado efeito. Este é o conceito mais concreto da palavra; no entanto, Tolkien também atribuía a ela um significado filosófico.

Para o autor, a máquina representa, fundamentalmente, poder de domínio sobre as pessoas. Um instrumento de coerção, controle e escravidão. A força corruptora da máquina é visível na guerra e na conquista militar.

Quando Saruman, O Sábio (Christopher Lee), é corrompido pelo desejo de poder, transforma Isengard em uma grande fábrica bélica (uma máquina) com a intenção de dominar e subjugar os povos livres. O mago cria uma nova raça de orcs (Uruk-hai), mais fortes e resistentes que os demais. A natureza dessas criaturas é odiar todos os outros seres, e talvez odeiem até a si mesmas. Elas não reconhecem beleza e gentileza, apenas desejam a destruição empunhando armas. São produtos. Instrumentos para a dominação.

Os Uruk-hai de Isengard. Quase que uma linha de montagem. O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel.


Em suas obras, Tolkien enfatiza o respeito e a admiração pela natureza. Para ele, não é a única coisa que importa no mundo, mas é uma parte essencial do mesmo. O amor do escritor pelo mundo natural é inquestionável e permeia O Senhor dos Anéis. Tal sentimento é refletido na flora do universo, em que por diversas vezes espécies reais e ficcionais são citadas na obra. Além disso, destaca-se o nome das florestas, como Fangorn e Lothlórien, que possuem grande importância dentro da narrativa.

No entanto, a máquina apropria-se de algo humano, a capacidade de criação. Os hobbits, por exemplo, gostam de elaborar móveis, utensílios, carroças, materiais de jardinagem e outras coisas. Alegrando-se com o que produzem. A finalidade destes materiais é auxiliar seus afazeres diários, ao mesmo tempo que buscam prazer ao criar suas ferramentas. Os homens, por outro lado, podem ser levados a supor que o poder de produzir é a capacidade de dominar.

É evidente que J.R.R. Tolkien lança uma visão pessimista sobre o que ele considera ser a máquina. Possivelmente, tal concepção esteja relacionada ao contexto de vida do escritor, já que ele presenciou o avanço industrial, que gerou transformações tanto no ambiente quanto na sociedade. Ele viveu duas grandes guerras e testemunhou a destruição causada pelo maquinário bélico e suas consequências. Apesar de suas ideias, talvez a maldade não esteja na máquina em si, mas sim em quem a conduz.                              

A "industrialização" de Isengard. O Senhor dos Anéis: As Duas Torres.

Além disso, a preocupação de Tolkien pode ser referente à dependência que as pessoas têm, ou virão a ter, com a máquina, assim como a perda de intimidade e esmero que os indivíduos teriam no trabalho, já que o intuito é a automação e a produção massificada. Fico a me perguntar qual seria a reação do autor ao observar o cenário atual. Provavelmente, não ficaria surpreso.


3. O ANEL MALIGNO:

“Ash nazg durbatulûk, ash nazg gimbatul, ash nazg thrakatulûk agh burzum-ishi krimpatul. ”

Anéis mágicos são componentes corriqueiros em obras de fantasia, representando artefatos poderosos e que, por vezes, ditam grande relevância dentro das narrativas. Provavelmente, um dos anéis encantados mais famosos seja o que aparece na ópera Der Ring des Nibelung, de Richard Wagner. Na obra do compositor, o objeto concede ao seu dono poderes, atraindo a atenção de diversas figuras que almejam sua posse.

            
Um Anel para a todos governar. Um Anel para encontrá-los. Um Anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los. O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel.

O conto fala sobre o anão Alberich, obcecado pelo ouro que repousava no fundo do Rio Reno, descendo às profundezas das águas para adquiri-lo. Com o ouro sob seu domínio, o nibelungo obriga seu irmão Mime a forjar um anel utilizando o material coletado. Posteriormente, Alberich amaldiçoa a joia, provocando assim a morte de Fasolt por Fafner, que toma controle do artefato. Wotan (Odin), alarmado, deixa o anel em um bosque sob a tutela do gigante Fafner, que foi transformado em dragão. Ele o guarda cuidadosamente por vários anos. No entanto, todos que adquirem conhecimento sobre o objeto o desejam, e tampouco conseguem esquecê-lo, pois ele envenena o coração das pessoas.

Outra história envolvendo anéis mágicos é mencionada por Sócrates no livro A República, de Platão, e é intitulada 'O Anel de Giges'. Em uma época remota na Lídia, um pastor chamado Giges encontra um anel de ouro preso ao dedo de um esqueleto humano gigante após um terremoto, dentro de uma fenda que se abrira no solo, próximo ao local onde pastoreava.

Após os eventos, ele descobre que, ao colocar o objeto, é capaz de ficar invisível. Possuindo tal poder, o pastor decide seduzir a rainha e conspirar para a morte do rei, assumindo assim o trono e o reino da Lídia.

A discussão sobre a história gira em torno de questões morais. Giges aparentava ser um cidadão ético quando estava visível, no entanto, ao usar a joia para ficar invisível, praticava atos desonestos e maléficos. Isso ilustra que nem sempre alguém visto como correto perante a sociedade é verdadeiramente íntegro. A ética é algo que deveria ser praticado mesmo quando imperceptível. O tema da invisibilidade levanta a questão da justiça existir apenas em função do olhar dos outros. Se ninguém está olhando, posso cometer qualquer ato reprovável, pois não serei punido.

Pelos recortes desses contos, pode-se perceber várias similaridades na obra de Tolkien, sendo o de maior destaque o efeito nocivo que o objeto possui. Tanto no filme quanto no livro, o anel é uma peça fundamental na narrativa e está ligado ao destino da Terra-Média. É quase irônico que algo tão pequeno tenha tamanha importância. Em O Senhor dos Anéis, ele vai ganhando uma presença considerável no decorrer da história. A princípio, a pequena argola dourada é apresentada de modo inofensivo, sendo apenas um anel, mas aos poucos vai sendo revelada sua natureza.

O Um Anel é maligno por essência, pois até aquele que deseja utilizá-lo para um grande bem se corrompe, acabando por perverter as intenções de quem o porta. Ele não apenas degrada moralmente, mas também fisicamente. Representa o auge da discórdia, e mesmo quando não está sendo utilizado, sua presença exerce influência sobre os outros. É quase como se pudesse dialogar mentalmente, maquinando, manipulando e seduzindo.


A natureza do Um Anel é revelada no conselho. Ele deve ser destruído. O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel.  


Possivelmente, o Um Anel seja uma representação concreta do que Tolkien comenta sobre a máquina. Ele é uma ferramenta de coerção, desvirtuação e escravização. É a máquina por excelência, o dispositivo que permitirá ao seu mestre estabelecer tirania absoluta sobre qualquer criatura viva.


4. O INTRIGANTE GOLLUM:

E nos esquecemos do sabor do pão...do som das árvores...da suavidade do vento. Até nos esquecemos do nosso próprio nome. ”   

Comentar sobre O Senhor dos Anéis sem mencionar o peculiar Gollum (ou Sméagol) é praticamente impossível, tendo em vista a grande relevância que ele possui na história. A princípio, não é possível identificar a raça à qual ele pertence; apenas sabemos que ele tem uma forte ligação com o Um Anel.

O ator Andy Serkis é responsável por dar vida a Gollum. Com o auxílio da computação gráfica, Serkis encarna o personagem utilizando o livro de Tolkien como base, em uma tentativa de entregar o máximo de fidedignidade. Sméagol não se limita apenas a um modelo em Computer Graphic Imagery (CGI). Serkis gravou as cenas duas vezes. No primeiro take, ele interpretava seu personagem com os outros atores, utilizando uma fantasia. Depois, replicava a mesma cena em um estúdio de captura de movimentos, vestindo o traje de marcadores. A ideia era conferir maior realismo à criatura.

Sméagol é o melhor exemplo do que o Um Anel pode fazer ao indivíduo a longo prazo. Corrompe, deforma e distorce a mente, tornando-se um fardo, e mesmo assim, ele não consegue se livrar do objeto. Sméagol/Gollum vive em uma eterna discussão, ora desejando, ora não querendo o anel; ora amando, ora odiando a si mesmo. Por vezes, é difícil determinar se é uma criatura digna de piedade ou se merece ser castigada devido à sua malícia.

Na adaptação de A Sociedade do Anel, Gollum não aparece de maneira clara, sendo apenas visto à distância e de modo rápido. Essa foi uma escolha interessante de Jackson em não revelar o ser. Isso atiça a curiosidade do espectador em conhecer melhor a criatura e qual seria sua importância na trama.

Gollum apenas aparece totalmente em As Duas Torres, trazendo para a tela sua complexidade e peculiaridades. A maneira como Jackson, e principalmente sua esposa Fran Walsh, constroem o transtorno dissociativo de Sméagol entrega o charme do personagem. A cena que ocorre no segundo filme emula a discussão entre Sméagol e Gollum, utilizando jogo de câmeras com diferentes ângulos. Como resultado, parece que presenciamos dois indivíduos de frente para o outro.

                
Gollum e Sméagol discutem. O Senhor dos Anéis: As Duas Torres.


Possivelmente, Sméagol seja um dos personagens mais intrigantes de O Senhor dos Anéis. Intrinsecamente complexo, mas de objetivos simples. Não está interessado no grande conflito, tampouco preocupado em escolher lados. Ele foge das convenções maniqueístas que permeiam o mundo de Tolkien. No entanto, o destino pode ser irônico ao ponto de uma criatura tão mesquinha acabar sendo a responsável pelo término do confronto que resultaria no destino da Terra-Média.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

“Meu trabalho agora está concluído.”

O Senhor dos Anéis não é apenas mais uma trilogia de filmes da grande Hollywood. Foi um esforço coletivo de diferentes diretores e produtores que ocorreu ao longo do tempo, na tentativa de adaptar o mundo de uma das obras literárias mais importantes. Tolkien criou um universo rico e cheio de possibilidades, e por esse âmbito, toda adaptação com a finalidade de expandi-lo é bem-vinda. A questão é: como será sua realização? Retornar à Terra-Média é sempre uma experiência imperdível.


Kanch0me


Kanch0me (Arthur Felipe Valença) é formado pela Federal Rural de Pernambuco em Biologia, além de técnico em informática. Atualmente é estudante de Licenciatura. Entusiasta da indústria cinematográfica e amante de animesmangásHQs e videogames.

Cargo: Escritor

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